sábado, 5 de maio de 2012

A Comorbidade entre Transtornos Alimentares e de Personalidade e suas implicações clínicas


Relato de caso
Definimos comorbidade a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos num mesmo indivíduo avaliado clinicamente. Em psiquiatria, as comorbidades são comuns. Alguns estudos sugerem que quase 50 por cento dos pacientes psiquiátricos recebem mais de um diagnóstico. Alguns tipos de comorbidade podem antecipar a procura pelo atendimento médico em decorrência do grande desconforto que a superposição de sintomas pode causar. Por outro lado, a presença de uma comorbidade pode, de forma direta, interferir no prognóstico da doença e no seu manejo clínico.

Transtornos afetivos (depressivos principalmente), ansiosos (TOC), transtornos de personalidade (emocionalmente instável tipo borderline e impulsivo, histriônico e anancástico) segundo a literatura, têm grande prevalência em grupos de pacientes com transtornos alimentares, apesar da frequência de estas patologias serem muito variáveis de trabalho para trabalho.

Mesmo com os problemas para elaboração de estatísticas, os transtornos de personalidade mais comumente encontrados em pacientes com bulimia são, de forma invariável, o emocionalmente instável, subtipo limítrofe, ou borderline (varia entre 14% e 83%, dependendo da metodologia empregada), o histriônico, em pacientes com anorexia nervosa borderline, e anancástico. Outros transtornos de personalidade também aparecem com porcentagens muito baixas (evitativo, dependente e paranóide). 

As relações que uma doença estabelece com outra podem ser muito variadas também e derivadas de casos crônicos. Têm sido observados inúmeros casos de transtornos alimentares surgindo em idades muito precoces. Esses pacientes “constroem” sua personalidade (marcando profundamente seu caráter e identidade) à luz de um transtorno alimentar. Quando chega ao fim da adolescência, início da idade adulta, o mesmo indivíduo pode apresentar uma forma de pensar, sentir e de se relacionar muito diferente da média da população. Esse funcionamento pode perpetuar mesmo na ausência do transtorno alimentar, ser duradouro e desadaptativo. Com esse comportamento, o indivíduo pode sofrer ou fazer sofrer quem o cerca. Em outras situações, pacientes com transtornos de personalidade primários podem, por conseguinte, desenvolver transtornos alimentares


As seguintes interpretações são possíveis diante de dois transtornos comórbidos:

1. O transtorno A predispõe ao transtorno B ou de alguma forma causa B;
2. O transtorno B predispõe ao transtorno A ou de alguma forma causa A;
3. A e B são influenciados por um fator subjacente C (predisponente ou causal);
4. A aparente associação de A e B é um resultado casual decorrente de serem relativamente freqüentes na amostra estudada ou por outros fatores ao acaso.


Estratégias de tratamento
A estratégia de tratamento de pacientes com transtornos alimentares em comorbidade com transtornos de personalidade torna-se muito complexa e requer uma equipe multidisciplinar treinada para tal. A abordagem deve ser nutricional, psicológica e psiquiátrica. 

As estratégias de tratamento vão se configurando para algo muito individual, com poucas experiências grupais de sucesso. Traços anti-sociais em pacientes com transtornos de personalidade anancástico, limítrofe, ou histriônico podem comprometer de forma direta qualquer tratamento de abordagem grupal, mediante rigorosos ataques ao próprio tratamento, ou a melhoras individuais.

Pacientes que melhoram podem ser vistos como “traidores”, fato muito comum em grupos de pacientes com anorexia nervosa.

Os pacientes, além de necessitarem de períodos maiores de internação, tentam mais o suicídio, automutilam-se e mobilizam a equipe e outras pacientes de forma maciça, despertando sentimentos variados em seus membros. Esses sentimentos e impressões devem ser discutidos em reuniões rotineiras com o supervisor experiente para que as “atuações” desses pacientes sejam minimizadas.

Pacientes com transtornos alimentares e
distúrbios da personalidade têm uma chance maior de cronificação. Mesmo que a palavra “cronificar” apresente conotação esdrúxula e malvista por alguns grupos que se dedicam à abordagem de doenças mentais, ela pode ser entendida como uma forma adaptativa nesses casos. Transtornos alimentares são doenças graves de grande morbidade. Esta morbidade, dependendo do tipo e da gravidade do transtorno de personalidade associado, pode chegar a patamares tão altos que o fato de uma paciente sobreviver em dez anos de tratamento deveria ser comemorado como uma vitória. Tornar-se crônico pode significar um sucesso. 

Uma paciente com medo do abandono muito acentuado e por não se sentir apta a viver sozinha, tende a cronificar-se, permanecendo por muitos anos em instituições destinadas ao tratamento de pessoas com transtornos alimentares. Assumem uma identidade de bulímica, ou de paciente com anorexia. Isso é muito notado, pois as expectativas do terapeuta são vivenciadas com grande ansiedade pelo paciente. 

Não raro, a paciente piora da sintomatologia alimentar ou mesmo ameaça ou tenta suicídio e se automutila em certos momentos nos quais se sente eminentemente abandonada por uma melhora qualquer de seu estado clínico que repercurta numa atenção menor por parte de seus terapeutas.

O emprego de psicofármacos nos transtornos alimentares está bem definido. Nos casos de comorbidade com os transtornos de personalidade, encontramos grandes divergências. Alguns clínicos vivem indagando-se se personalidade é “medicável”. No caso dos transtornos de personalidade, terapêuticas farmacológicas podem, de forma direta, melhorar a impulsividade, possibilitar uma adequação melhor do afeto, reduzindo as marcantes oscilações do humor e a ansiedade. As medicações incluem neurolépticos, inibidores da recaptação de serotonina, noradrenalina e estabilizadores de humor.

Podemos concluir que a comorbidade transtornos de personalidade e transtornos alimentares interfere de forma direta no curso e prognóstico da doença, verificando-se alto índice de suicídio, recaídas constantes e ainda dificuldade na elaboração de estratégias de tratamento.

Referências bibliográficas
 revpsiq@edu.usp.br

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